na luta cronicas
Brasileiro está na luta desde janeiro, ou antes… (Pixabay)

Pelas minhas contas e, conforme as más línguas, é agora que o ano realmente começa. Digo as “más línguas” porque qualquer brasileiro raiz sabe que a ralação de 2025 já começou há muito tempo. Pra alguns, antes mesmo do Réveillon.

Fico irritada e intrigada toda vez que ouço alguém dizer que “o Brasil só funciona depois do Carnaval”. Põe o dedo na tomada pra ver se a energia elétrica parou em algum momento – apagão, este ano, só soube do que ocorreu no Chile. De repente, consegue levar um choque de realidade e perceber que o brasileiro está sempre em suas lutas. A folia de Momo é apenas uma pausa recreativa pra encarar o resto do ano com um pouco mais de alegria.

Toda vez que alguém solta essa pérola, reviro os olhos como quem vê um boleto vencido. Pra mim, o ano começou fervendo – se duvidar, começou ainda em dezembro, quando eu já estava respondendo e-mails debaixo da árvore de Natal, tentando, inutilmente, fingir que era recesso.

Os brasileiros adoram um exagero. Dizem que aqui tudo é festa, que o país só engata a primeira marcha quando a última serpentina toca o chão. Faz um exercício rápido: fecha o olho e imagina a cidade sem coleta de lixo por dois meses! Nesse mundo surreal, se não voltar a peste bubônica, corre o risco de uma nova pandemia.

E os serviços de saúde, as emergências médicas, que deixam de atender as perebas típicas dos meses frios pra encarar casos de afogamento, insolação, viroses variadas e altas doses de pessoas acidentadas durante as férias de verão.

No país do faz de conta, ninguém faz reunião antes de março começar, não existem metas a serem batidas, nem clientes enviando novas demandas no auge do verão. É como se todo brasileiro estivesse na praia e asse 60 dias à beira-mar, tomando água de coco e curtindo o pôr do sol. Até pra isso é necessário que alguém, do outro lado do balcão, esteja disposto a ganhar uns tostões oferecendo refrescos e quitutes sob um sol de fritar ovo no asfalto.

Nos shoppings, é a hora do troca-troca dos presentes de Natal e de colocar os estoques em promoção. Famílias enlouquecidas atrás dos livros pro ano letivo e outros itens exigidos na lista de material. E, ainda assim, há quem acredite que, no Brasil, as pessoas am os primeiros meses do ano vivendo de luz e boas intenções.

Os bancos continuam cobrando juros, as fábricas seguem produzindo, o transporte público não tira férias e os hospitais continuam lotados – porque doença não espera o Carnaval acabar pra atacar. Bombeiros apagam incêndios e entregadores de aplicativo seguem pedalando, faça sol, faça chuva, faça Carnaval.

A folia, aliás, é só uma pausa estratégica, um momento tresloucado e necessário pra um povo que trabalha demais e recebe de menos. O país não começa depois do Carnaval, ele respira durante a festa. Pega fôlego. A gente finge que esquece dos boletos, da inflação, da reunião de equipe na segunda de manhã. É um festival de escapismo legítimo, um alívio cômico no meio da correria. Quem pode, cai na folia e dança até os joelhos pedirem arrego. Quem não pode, aproveita pra descansar, colocar séries atrasadas em dia ou, no máximo, reclamar na internet que a festa está muito cara, que ninguém aguenta mais o funk e que o Brasil precisa de mais produtividade. Sim, porque reclamação e exagero fazem parte do repertório principal da população.

A realidade que agora chega de ressaca, na verdade, nunca foi embora. O país já estava funcionando antes do confete ser varrido, a única diferença é que agora as pessoas finalmente aceitam que sim, é oficial, o calendário virou e o tempo está correndo contra nós, com a contagem regressiva ativada até dezembro. Até porque, se o Brasil só começa depois do Carnaval, alguém precisa me explicar quem esteve me mandando e-mails desde o dia 2 de janeiro.

*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e entrou em 2025 em dezembro do ano ado.