cronica
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Fui ao supermercado outro dia e, antes mesmo de alcançar o setor de hortifrúti, senti uma saudade esquisita: houve um tempo em que empurrar carrinho, escolher marca de macarrão ou disputar o último pacote de pão de queijo era meu maior momento de liberdade na semana.

Faz cinco anos daquele março pandêmico que virou um divisor de águas mundial. Lembro de ficar na janela como quem assiste ao fim do mundo em câmera lenta. O silêncio das ruas, as sacadas ocupadas, as playlists melancólicas e o medo colado no peito. A vida parou, mas a gente teve que continuar – ou, pelo menos, fingir que estava tudo sob controle enquanto aprendia a fazer pão e usava álcool gel como perfume.

No meio daquele enredo distópico, ir ao supermercado, à farmácia ou à loja de material de construção era o equivalente a um parque de diversões, uma tarde no cinema ou assistir a um Atletiba na Arena da Baixada. Eram os lugares permitidos. Autorizados. Os únicos cenários possíveis fora das quatro paredes de casa. Não interessava se era só pra comprar fermento ou papel higiênico: o importante era sair. Era ver gente, ainda que mascarada, e sentir o ar batendo no rosto, mesmo que filtrado por duas camadas de TNT.

Inventei pretextos como nunca. Cotonete, cacau em pó, semente de girassol, geleia de abacaxi com pimenta… Itens que surgiam magicamente na lista só pra me dar o direito de circular pelos corredores com luz branca e produtos de necessidade questionável. O supermercado virou fuga, refúgio, terapia. A farmácia, rota pra qualquer mal-estar. A loja de material de construção destino pra decoração improvisada.

Hoje, entre um pacote de arroz e outro, percebo que voltamos à velha normalidade. É fácil reclamar do preço do ovo, ficar irritada com o povo que acha que é dono do corredor e desenvolver a paciência digna de monge tibetano com o código de barras que insiste em não ar. A vida seguiu. E o supermercado voltou a ser o que sempre foi: um ritual cotidiano sem glamour – à exceção do Festval, onde, pra mim, desde sempre, fazer compras é sinônimo de lazer.

Talvez seja isso que ficou da pandemia. A consciência de que até o mais banal dos roteiros pode se tornar especial, dependendo da lente com que a gente olha.

A liberdade voltou. Sem máscara, sem marcação de distanciamento no chão, sem o pânico de tocar em alguma embalagem não higienizada. Com ela, voltou também o privilégio de detestar tarefas simples, de resmungar sem necessidade e, ainda assim, guardar uma pontinha de gratidão silenciosa por tudo isso ter virado lembrança.

Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e vive entre o humor, a ironia e a lista de compras que ela jura que vai seguir.