
Tem gente que acorda, agradece a vida, faz um café, abraça o filho e vai trabalhar. E tem gente que acorda, abre o celular, ativa o modo superioridade e sai distribuindo opinião como se o mundo fosse um grande bufê de comentários gratuitos. Cada um com seus rituais.
São os guardiões da moral alheia. Os juízes do Instagram. Os fiscais do X (Ex-Twitter). Os mestres da ivo-agressividade nos comentários do YouTube. Aqueles que, em vez de viver, preferem ar o tempo cuidando da vida alheia – de preferência, em voz alta e com um emoji sarcástico no final.
Tem também os agitadores do WhatsApp, os campeões do print fora de contexto, os especialistas do grupo da família, que mandam “bom dia” com florzinha às 7h, fake news às 8h, e que, na dúvida entre apagar ou incendiar, escolhem sempre o fósforo.
Quem são essas criaturas? Onde vivem? O que comem? Como se reproduzem? Perguntas que caberiam num episódio especial do Globo Repórter e que provavelmente nunca serão respondidas com precisão científica. O jeito é investir na especulação mesmo!
Eles residem na internet. Mais especificamente, nas janelas virtuais de gente famosa, semianônima ou apenas feliz – que incomodam muita gente. Comem headlines fora de contexto e feeds alheios. Reproduzem-se com o algoritmo – basta uma curtida pra surgirem três novos pesquisadores com conhecimento em absolutamente tudo. A cada polêmica, brotam como cogumelos depois da chuva.
Esses seres têm um superpoder raro: sabem de tudo. Do escândalo da semana à composição química do botox da atriz da novela. Têm opinião formada sobre tudo, mesmo sem diploma ou com base em achismos travestidos de convicção.
Opinam sobre a roupa que não favoreceu a Paolla Oliveira, a alimentação dos filhos da Bela Gil e a discrição da Gisele Bündchen sobre sua vida pessoal. Todas estão erradas sempre – aliás, as mulheres costumam ser julgadas com grande frequência e, o pior, por outras mulheres que deveriam ter um pouco de empatia.
Jamais a pela cabeça desses peritos digitais fazer uma autoanálise do tipo: “Isso é da minha conta”?; “O que o rebolado da Anitta interfere na minha vida pessoal?”; “O que eu ganho ao esculachar a publicação da Claudia Raia?”. Fogo no parquinho é a regra… Comentários que não agregam em nada. Apenas fazem com que esses fungos da internet se sintam com poder de abalar as redes sociais com observações profundas como uma poça d’água”. E os palpites rasos seguem como um giroflex ligado, ando por análises de corpos, roupas, estilo de vida, educação parental, posicionamento político e a nova tarifação do comércio internacional.
E o que mais me intriga: esses seres digitais não cansam. Comentam em tudo. Conhecem a treta do Big Brother, o divórcio da cantora, o novo corte de cabelo do jogador. O story de 15 segundos da blogueira virou tese. E a legenda neutra virou gatilho. Estão atentos, vigilantes, disponíveis – como sentinelas da verdade suprema com sinal 5G.
A dúvida é legítima: essas almas vagantes das redes sociais não trabalham? Não têm uma reunião no Meet, uma entrega no prazo, uma lasanha pra descongelar? Não têm filhos pra criar? Ou um boletim pra , uma cueca pra recolher do varal, uma lição de casa pra cobrar do pimpolho? Não têm um lote pra carpir?
Aparentemente, não. A prioridade é comentar. Porque, segundo essa espécie, o silêncio é omissão e a dúvida é sinal de fraqueza. Se você ousar desconhecer um assunto, eles já estão te corrigindo com uma fonte duvidosa e uma certeza do tamanho do próprio ego.
Juram que é “só opinião”. Que têm direito à liberdade de expressão. Que estão “apenas exercendo a cidadania digital”. Tudo isso com o mesmo tom de quem entra num casamento sem ser convidado e ainda critica o vestido da noiva.
O mais irônico é que muitos desses haters se dizem “cidadãos de bem”. Espalham frases motivacionais entre uma alfinetada e outra. Postam “gratidão” com filtro pôr do sol enquanto cancelam alguém por usar a lixeira de recicláveis pra jogar cascas de laranja. É o ódio com verniz de consciência social. O linchamento gourmetizado.
No fim das contas, talvez a melhor resposta seja viver. Viver tanto, tão profundamente, tão escandalosamente feliz, que nem dê tempo de parar pra ver o que disseram no comentário do post. Porque quem tem mesmo o que fazer, raramente tem tempo pra explicar o óbvio pra quem não quer entender.
As vítimas desse tribunal de sabichões de tela fria precisam se lembrar sempre que é só gente com tempo demais, empatia de menos e um tédio que nem Wi-Fi consegue resolver.
*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e observadora incansável dos malabarismos sociais da vida online.